sábado, 10 de outubro de 2009

Ato I, Cena II

RAINHA: Então, se é assim com todos, que te parece estranho nesse caso?
HAMLET: Não parece, senhora; é. Não conheço "pareces", boa mãe. Nem esta capa sombria, nem as vestes costumeiras de solene cor negra, os tempestuosos suspiros arrancados do imo peito, as torrentes fecundas que me descem dos olhos, o semblante acabrunhado, nem todas as demais modalidades da mágoa poderão nunca, em verdade, definir-me. Parecem, tão-somente, pois são gestos de fácil fingimento. Mas há algo dentro em mim que não parece. Tudo isso é roupa e enfeite do infortúnio.
O REI: Recomenda-te, Hamlet, a natureza chorares o teu pai dessa maneira. Mas, lembra-te: teu pai perdeu um pai, que o seu, também, perdera. Ao filho vivo cabe o grato dever de lastimá-lo por algum tempo. Mas mostrar tão grande obstinação no luto é dar indícios de teima e de impiedade; é a dor dos fracos; revela uma vontade ímpia e rebelde, coração débil, mente anarquizada, inteligência pobre e sem cultivo. Se tem de ser assim, tal como as coisas mais comuns que aos sentidos nos afetam, para que nos mostrarmos rigorosos e pueris? Ora! É ofensa ao próprio céu, à natureza, aos mortos, mais que absurda para a razão, cujo princípio básico é o traspasso dos pais, e que não cessa de proclamar desde a hora do primeiro cadáver até ao morto deste instante: Tinha de ser assim.

Pra mim, esse é um dos trechos mais inteligentes de Hamlet, porque pra mim não é sobre perder um parente, pra mim é sobre perder. Aqui, a verdade dita pelo rei morto é que quando se perde, quando tudo dá errado, quando o mundo parece querer te engolir, é preciso ser forte. Prolongar o sofrimento, a perda, o drama é sinônimo de falta de inteligencia, de auto-controle, é uma ofensa ao céu, à natureza, à tudo aquilo que te é superior e que sempre te ensinou que a vida é assim mesmo, cheia de ups and downs, de intempéries. E essa é uma lição que eu ainda tô aprendendo. É foda aceitar que as coisas fogem ao seu controle, que tudo tem uma probabilidade de dar errado, não importa o quanto você se esforce, e que nem sempre as pessoas vêem e entendem as coisas do jeito que você o faz. Eu tô meio Hamlet, meio angustiada, meio Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?
Mas tem de ser assim.